sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Ao amigo que parte

Talvez não possam alcançar-te

Os versos, lá onde estás;

Nenhum som, nenhuma arte,

Nenhuma música ou poesia.

Talvez nesse leito de paz

Não te alcance o meu pranto;

Da saudade o quebranto

Talvez não sintas mais.

Mas se te couber um olhar,

Um vislumbre fugidio

Deste mundo de vazios,

Saiba que, na partida, levaste

A parte de mim que te cabia.

E o que de teu aqui deixaste,

A amizade verdadeira,

Hei de guardar, destarte,

Pela minha vida inteira.

Shirley Carreira

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Claridade

Luzes já não luzem lá fora.
Fora luziam as luzes outrora.
Hoje, elas luzem cá dentro.
As luzes são lágrimas agora.


Hão de luzir as luzes
No lugar das lágrimas luzidias
Quando ficarem lá fora
As foragidas fantasias?

© Shirley Carreira
* Menção honrosa no concurso literário da revista Brasília, 1985.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O tempo

O tempo me fez mais sábia,

mais triste, menos crédula.

Fez-me sonhar menos

e lutar mais.

O tempo me fez mais forte,

mais decidida, menos impetuosa.

Ensinou-me

a orquestrar gestos.

O tempo só não me ensinou

o caminho árduo, pedregoso,

que leva ao total

esquecimento.

Eis porque canto e escrevo

continuamente,

celebrando o silêncio

de tantas ausências.

Shirley Carreira

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Soliloquy



I have endured life as a dreamer
Everlastingly sure of awakening
Some day to a hotter summer
Or even to a brighter spring.

I’ve faced days with pain and joy
I’ve been a divine being’s toy,
dove deep into frozen water
and burned to ashes, freaked and sober.

Up-down tossed by the waves to a fen,
By implacable billows of an eternal sea.
For a friend, only paper and pen,
And these pale words which speak for me.

Shirley Carreira

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Aprendizado

Antes não sabia
Dizer senão sim
À tua boca,
Que cabia inteira
Nos meus espaços,
Acomodando-se
Às minhas lacunas.

Hoje sei dizer mais que não
Ao assalto poderoso
Dessa tua mão,
À voracidade do teu beijo.
Não mais te sigo
Com a fome pendurada
Nos olhos.
Faço-te escravo
Dos meus desejos.

Shirley Carreira