sábado, 30 de janeiro de 2010

Plainando



O eu que me habita
Já não derrama lágrimas
Por coisas pequenas:
Não verte rios
Caudalosos de emoção
Nem eclode
em maremotos de dor.
Ele plaina suave,
Falcão do tempo,
Sobre as nuvens obscuras
Dos acontecimentos.
E ante a luz da bonança,
E o fervilhar da alegria
Trina o canto melódico
De uma cotovia.


Shirley Carreira

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010



Pintura de Maria João Franco
http://mariajoaofranco.blogspot.com/2010/01/figura-para-o-altar-dos-espantos.html


Figura para o altar dos espantos


Que a minha voz ecoe
Quando todas as outras
Caladas estiverem.
Que ela grite versos
De rebeldia e liberdade
Quando as almas prisioneiras
De tantas vaidades
Emudecerem.
E quando eu já não puder
Falar ou entoar
Versos à vida e aos sonhos
Que fique apenas
A minha imagem
Como tênue figura
Para o altar dos espantos.

Shirley Carreira

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Querer


Não te quero caminhando nas sombras
Nem calando os teus mistérios.
Quero-te cantando a melodia
De teus mais íntimos pensamentos.
Quero ouvir os teus silêncios
Narrando-me na calada da noite
As histórias que teces e guardas,
Como segredo, do mundo.
Quero-te ondulando o olhar
Nos meandros que tanto conheces
Nas estradas ocultas e sinuosas
Deste corpo que habito.
Quero-te como brisa suave
Penetrando-me nos poros
Transmigrando desejos
Do meu corpo no teu.
Quero-te, perto ou distante,
Naquele ousado instante
Em que, em um segundo apenas,
Puder sentir-te meu.
Shirley Carreira

sábado, 16 de janeiro de 2010

Chegada e partida


Quando vieste
Chuva imprevista
A cair sobre o agreste
Iluminou-se minha alma
Afogou-se o meu corpo
Na força de tuas correntezas.

Quando surgiste
Sol transbordante
Que em mim persiste
Douraste-me a pele
Queimaste-me o corpo
No crepitar dos sentidos.

Quando partiste
Sonho diáfano
Nuvem de algodão
Nas minhas fronteiras
Deixaste o rastro suave
De milhares de estrelas.

Shirley Carreira

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Amanhecendo


Que seja nossa, outra vez,
A manhã nascente
Que sejas em meu corpo
Cavaleiro errante
Em busca incessante
Do prazer oculto
Em cada curva do meu corpo
Exposto ao teu olhar.
Que seja nossa, outra vez,
Aquela poesia
Que ainda possamos ouvir
A mesma melodia
E em meio a acordes conhecidos
Fazer do amor
Uma nova sinfonia.
© Shirley Carreira

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Sou assim...




Sou esta mulher que vês por inteiro
Com defeitos tantos, permanentes
Ou passageiros,
Com desejos muitos, inconfessos
Ou conhecidos,
Com tantos momentos vividos.

Sou este ser exposto ao teu olhar
Com verdades tantas, doloridas
Ou suportáveis,
Com saudades muitas, contidas
Ou transbordantes,
Com tantos silêncios recolhidos.

Sou esta criança em corpo errado
Com segredos tantos, violados
Ou guardados,
Com vontades muitas, suprimidas
Ou realizadas,
Com tantos sonhos construídos.

Sou este ser forte/frágil que te olha;
Sou a mulher/criança que te sorri,
Que levanta e cai, sem medo,
Que se entrega e luta contra a maré.
Que se quer aceita e amada
Do jeito confuso, complexo que é.

Shirley Carreira

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Perdão


Bendito o perdão sem palavras,
Que escorre dos olhos quieto
Como afago suave na alma,
Como carícia branda do vento,
Cristalizando na vida um momento
Perfeito de completa entrega.

Bendito o perdão sem cobrança,
Que varre da alma sem medo
Tudo o que turva a lembrança
E acolhe em braços invisíveis
Aquilo que parecia perdido,
Impossível, irrecuperável.


Bendito o perdão que se inscreve
Nas nuvens, como fênix renascida,
E em suas asas carrega a esperança.
Bendito o coração que o doa;
Bendito aquele que o recebe;
Bendito o mundo em que ele é possível.
Shirley Carreira

domingo, 29 de novembro de 2009

As faces da saudade



Saudade não é apenas falta
Do que se teve e se perdeu,
Mas a lacuna dos incontáveis
Momentos que não se viveu.

Os olhos buscando insaciáveis
Imagens que a memória retém
Fragilmente, e que, de repente,
Qual sonho, turvam-se; vão e vêm.

Saudade é aquilo que se sente
De um futuro que nunca existiu,
De todos os anseios contidos,
De alguém que um dia partiu.

Saudade dos gestos reprimidos,
Da palavra pensada e não dita,
Dos desejos jamais saciados,
Da promessa de alegria infinita.


Shirley Carreira

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O poema de hoje

O poema de hoje
se recusa a ser moderno,
audacioso; contumaz,
quer-se apenas versos normais
que sussurram ao ouvido,
em murmúrios e gemidos,
o que os lábios
calam.

O poema de hoje
não almeja a rebeldia
da forma, o desafio
de ser "boa" poesia;
quer a simplicidade
da fala hodierna,
o transbordamento
do eu.


O poema de hoje
ignora a o urgência do tempo,
o ontem e o amanhã;
quer apenas o ato egoísta,
que escapa à técnica
e salta à vista:
olhar, atento, para dentro
de si.

Shirley Carreira

domingo, 22 de novembro de 2009

Teus caminhos

No azul dos teus olhos,
Um mar imenso,
Onde navego de olhos fechados:
Mergulho e entrega.

No toque de tuas mãos,
Um paraíso inteiro,
em que me recrio continuamente:
Desejo e êxtase.

Nas estradas de teu corpo,
Um oásis infinito
Onde deixo as minhas marcas:
Conhecimento e memória.

Shirley Carreira