sexta-feira, 31 de julho de 2009

Entre(meios)

Em silêncio
Teço a corrente infinita
Da palavra.

Em suspenso
Cavo as trilhas profundas
Que ela lavra

Em ausência
Deixo um rastro do verso
Que buscava.

Shirley Carreira

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Querendo-te



Quero-te no limite
Entre o sonho e a vida
Quero-te na confluência
De meus mares
Quero-te no ímpeto
Das loucas paixões
Na brevidade intensa
Da troca de olhares.

Quero-te, sem querer,
E assim querendo,
No peito, trago o conflito
Entre querer-te
E, sabendo-te distante,
Mais longe desejar-te,
Na vã tentativa
De esquecer-te.

Quero-te no encontro
De sentimentos abissais,
Quero-te no turbilhão
De desejos incontidos.
Quero-te na memória:
Uma presença fugidia,
Com a magia intensa
Dos amores não vividos.

Shirley Carreira

Signo

Onde te escondes
palavra que busco
dicionário afora,
vida afora,
e não encontro?

Onde te escondes
símbolo oculto
do meu pensamento,
que não te sei
e não te invento?

Na tua ausência, sigo
na busca indescritível
do signo perfeito
que torna a idéia possível.

Shirley Carreira

Claridade





Luzes já não luzem lá fora.

Fora luziam as luzes outrora.

Hoje, elas luzem cá dentro.

As luzes são lágrimas agora.

Hão de luzir as luzes

No lugar das lágrimas luzidias

Quando ficarem lá fora

As foragidas fantasias?


©Shirley Carreira

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Exceção



Dolorido o amor de quem canta sozinho
Tentando fazer audível sua voz solitária;
Sofridos os passos de quem tenta ser estrada,
Quando sua conformação é de atalho.
Triste a história de quem se tornou sombra
E apagada existe em meio a céu estrelado.
Loucura é tentar apagar a luz da lua
Quando só ela existe, em brilho, para o mar aberto.
Solitário os rumos de uma flor do campo
Que floresce entre lírios e assim permanece,
Sabendo que, na essência, é uma rosa bela.
Estranho guardar em si torrentes insondáveis
De mistérios, prazeres, surpresas infinitas,
E aos olhos que se buscam, dia-a-dia,
Ser apenas um pálido conjunto de exceções.

Shirley Carreira

domingo, 12 de julho de 2009

Poema de saudade



Faz-se a poesia quando a alma nua
Arde,consciente de cada falta tua,
E percorre quieta a lembrança,
A saudade que nunca se cansa
De doer cá dentro de mim.


Faz-se poesia após tantos silêncios,
Tantas lacunas, no tempo, somadas,
Tantas fantasias mal sufocadas,
Quando em mim tua imagem habita
E faz ainda mais forte a paixão infinita.


Faz-se a poesia quando ainda me nego
E a sede me invade, mesmo se renego
Cada estilhaço de amor dentro de mim.
Faz-se a poesia e renova-se a magia
De um sentimento que não tem fim.


Shirley Carreira

Poeta(ndo)

Da palavra à coisa
flutua o verso
signo e sina de quem doma sentidos.

Shirley Carreira

Silêncio

Meus silêncios são acordes da alma
Recriados nos labirintos
Da solidão que me habita
Da quieta dor que sinto.

Meus silêncios são as ausências
Os vazios construídos
Por todas as palavras não ditas
Pelos sonhos não vividos.

Meus silêncios são essas lacunas,
Esse grito inconsciente, mudo;
Esse encontrar sempre o nada
Onde antes havia tudo.


Shirley Carreira

Corpo de mulher


No corpo de cada mulher
Há uma morte silenciosa;
Em cada curva sinuosa,
Em cada concavidade oculta.
Em cada dobrar de tronco
Em cada gesto leve
Ou aceno de mão;
No corpo que arde
Sobre o branco lençol,
Que estanca na carne
O fluxo voraz da paixão.
No corpo de cada mulher
Há uma deusa escondida,
Que inebria, entontece,
Encanta e seduz.
No corpo de cada mulher reluz
O seu comando do tempo,
A sua milenar magia.
No corpo de uma mulher
Um homem renasce e morre
Todos os dias.

Shirley Carreira

Se...

Não fossem as sombras constantes em teus olhos;
Não fosse essa ironia sempre presente
No teu sorriso; a alegria crescente;
A indiferença impiedosa e permanente,
Quem sabe se eu ainda te amaria?

Não fosse o teu desejo transbordante;
Não fosse o teu querer pulsante
Que busca e afasta, intermitente,
Aquilo que deseja; incoerente,
Quem sabe se eu ainda quereria

De tal modo voraz e persistente
Essa tua boca sôfrega, exigente,
Esse teu corpo ansioso e indolente,
Esse teu eu, tão meu e tão ausente.
Quem sabe se eu ainda existiria?

Shirley Carreira

Minha sina




Minha sina é ver-te
na linha do horizonte
onde toda razão se desatina,
onde todo equilíbrio
se torna desvario,
onde eu, mulher, viro menina.

Minha sina é querer-te
e sonhar-te dias a fio,
tão distante quanto do teu toque esteja
pois assim mais perto
meu corpo te deseja
e tanto mais a paixão me ensina

que meu olhar do teu anda à procura
que nada sou sem essa doce loucura
de, a cada dia que se finda,
inebriada, desejar-te mais,
e, insanamente, buscar-te ainda.

Shirley Carreira

A teus pés




As lágrimas
(sólidas)
que me enfeitam
os olhos.


A passividade
(tórrida)
que me impede
os gestos.


Os seios
(túrgidos)
que pulsam
no peito.


O desejo
(líquido)
que se derrama
em mim.


É todo um corpo que reclama
Tua presença e se esparrama,
Transbordante, a teus pés.


Shirley Carreira

Despindo palavras



Se me visto com a palavra sonho
é porque despi a esperança
em algum lugar do passado.
A cada palavra que visto,
de outras tantas me dispo
e em cada verso que traço
de um antigo eu me desfaço.
A palavra é roupa que veste
A alma despida em silêncio.


© Shirley Carreira

Imagem no espelho



A desconhecida que me olha
do outro lado do espelho,
sorri alegria impensada,
que eu apenas pressinto.
E se ela não me diz nada
de tudo o que sabe e eu não sei,
em seu sorriso de absinto,
planto o abismo de imagens
de tudo aquilo que sinto
e jamais escreverei.

@ Shirley Carreira

A matéria do poema




















A matéria do poema:
palavra e pensamento,
memória e sentimento,
lacuna e preenchimento
dos espaços da alma.
Meandros do verso
que se quer inteiro,
embora feito de partes,
metades: o eu que sou
e o eu que nunca fui.
O poema se condensa
no desafio do verbo,
que traduz o não dito,
construindo sentidos.
A matéria do poema:
pensamento e palavra,
bloco de granito,
que minha mão lavra.


Shirley Carreira