sábado, 28 de dezembro de 2013

A supremacia do tempo



O tempo se aproxima lento,
Estende as mãos flamejantes
Até que em um instante,
Em mui breve momento,
O amanhã vira ontem
E o que existe avante
É tão breve, rodopiante,
Que, por mais que se insista,
Passa como quem pisca
Os olhos, até que, à frente,
Nada mais exista.


Shirley Carreira

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Feliz Natal ao leitor!


Feliz Natal a todos os que visitam o blog! Que 2014 possa ser espetacular!

sábado, 30 de novembro de 2013

sábado, 2 de novembro de 2013

Tessitura



Quando me aposso
Da palavra,
Domo o tempo,
Teço
Insuspeitadas estradas;

Quando teço discursos
Em silêncio,
Faço história;
Tranço
Extensas meadas;

do fio inquieto da vida,
me apodero,
lanço ao futuro
as redes
em verbo trançadas.


Shirley Carreira

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Me


domingo, 20 de outubro de 2013

Criação e criatura


Quando me sinto assim,
Tão loucamente
Ausente de mim,
Ultrapasso meus medos,
Devasso os segredos
Que a alma esconde.

Ponho os olhos onde
A vista nem mais alcança,
Transmuto a alma em criança,
Viro as normas do avesso,
Faço do fim começo,
Torno cada mar em porto.

Se é o caminho reto ou torto
Pouco importa, se amanheço
Com este viés de loucura.
Busco o verso perdido,
Traço a palavra pura
Que pinta meu eu dividido.

E me inscrevo, verso e pintura,
Num roteiro jamais vivido.


©Shirley Carreira


domingo, 8 de setembro de 2013

A ilha interior

Dentro de mim há uma ilha inexplorada;
rochedos densos e altaneiros,
inexpugnáveis.
Acariciam-lhes as brumas das frias manhãs
e as revoltosas águas
do mundo exterior.
No cume do mais alto rochedo,
habita a águia dos meus sonhos,
sempre disposta a alçar voo
rumo ao espaço infinito.

Shirley Carreira


sábado, 7 de setembro de 2013

6 de setembro de 2013


sábado, 31 de agosto de 2013

Do tempo de agora

Sei que não sou
Deste espaço, deste tempo. 
Sei que ando a juntar
Os esparsos 
Fragmentos de mim.
Sei que enquanto 
A mente vagueia inteira,
O corpo é prisioneiro
Do agora. Tudo tem fim.
E se me parece tão bela,
Tão longa a estrada,
E se ainda me ponho a sonhar
De modo irrestrito,
Algo me lembra
Do tempo de agora,
Que torna todo sonho
Curto, irreal, finito.

Shirley Carreira


terça-feira, 23 de julho de 2013

Quando me escondo de mim


Quando me escondo de mim,
Tenho um semblante suave,
Uma plumagem de ave
Encantada com sua imagem.

Quando me escondo de mim,
Tenho uma fala macia
Que soa , ao raiar do dia,
Como canto de passarinho.

Quando me escondo de mim,
Trago nos lábios o rubor
Das grandes paixões e o sabor
Dos desejos juvenis.

Quando eu me escondo de mim,
Não tenho este olhar triste,
Nem este gesto agreste
De quem com a vida esgrima.

Quando me escondo, domo,
Na raiz, a palavra incerta
Que eclode e desperta
A vida, sem rumo ou rima.


Shirley Carreira


sexta-feira, 19 de julho de 2013

Conto: Céu de passarinhos

Não sabia exatamente o que era aquilo. Uma sensação de estar sendo observada. Olhou em volta. Ninguém. Em certos momentos agradava-lhe estar só. Eram os momentos em que o pensamento voava.

Por todo lado, se espalhava a voz cheia e rascante de Louis Armstrong, com seu jeito bonachão, constatando mais uma vez a beleza deste mundo. 

Ouvia, também, secretamente, a voz do pai, que dizia — com a certeza que só os pais dão quando somos crianças — que, quando estamos absortos, com o olhar distante, o nosso pensamento voa para um lugar especial: o céu dos passarinhos. 

Era capaz de lembrar sua própria gargalhada, gostosa, naquele tempo em que ainda sabia sorrir de verdade, com a alma posta nos olhos, e a pronta resposta: “Você está mentindo para mim. Passarinho não tem céu. Só existe um céu”. 
A mãe intervinha sempre, com ar meio zangado: “Pare de ficar “enrolando” as crianças”. Assim, “elas nunca vão crescer”. Ao que ele ajuntava, bem baixinho: “Ela fica assim zangada porque nunca esteve lá”. E ela acreditava que gente que não sabia sorrir jamais veria o céu dos passarinhos.
Abriu a janela inconscientemente, buscando além daquele céu visível um outro, onde os pensamentos secretos habitam. Lá ela guardaria as suas lembranças todas. As da infância perdida e as outras, de ontem, de hoje, de sempre. 
No rosto, a lágrima desceu vagarosamente, percorrendo um caminho conhecido: o trajeto da saudade. Teria muita coisa para guardar no céu dos passarinhos: a lembrança do rosto dele, as duas covinhas que surgem quando ele sorri, aquelas mãos de menino, que se recusam a envelhecer, seu jeito silencioso de se movimentar, a voz em tom sussurrante ao seu ouvido, o olhar sério com o qual a fitava à medida que se aproximava a hora da partida...

Viver, agora, se resumia a um mergulho no universo do seu discurso, um beber contínuo da palavra escrita, na tentativa de recuperar a presença. Um discurso do qual queria ser parte. Uma palavra discreta, que passasse despercebida ao olhar intruso, mas constante, que fosse capaz de desvelar um mundo oculto e reorientar a vida. Pensou, com uma tristeza pungente, que há sempre lugar para poetas no céu dos passarinhos.

Fechou os olhos do corpo tentando alcançar com os olhos da alma o objeto da sua saudade. Muitas vezes dava certo. Era o seu olhar secreto, herança obscura, que a mantinha sempre com um pé em cada mundo. Conseguiria, se houvesse um campo aberto, se o pensamento dele estivesse de algum modo voltado para ela. Alcançou um momento fugaz de lembrança, uma réstia de mágoa por um beijo enviado e não retribuído. Outra lágrima fez companhia à primeira. Não conseguia ver mais nada. O círculo da visão se fechara. 
Havia algo na natureza de ambos que os unia: uma tristeza e insatisfação com a vida, uma incompreensão duramente sofrida desde cedo, uma sensação de que só a morte abrevia a dor. Eram dois espíritos semelhantes com histórias diversas, que vinham se buscando e se perdendo no continuum do tempo, com passos que se cruzavam e se separavam indefinidamente. Quantas vidas teriam de viver até o encontro definitivo? Não sabia. Talvez estivesse vivendo uma das histórias possíveis, em um dos mundos paralelos onde a vida dos homens se desenrola como obra aberta. Talvez estivesse na versão errada. Como descobrir? 
Queria trocar de lugar com o autor da vida por um breve instante. Tempo suficiente para escrever um final feliz, no qual guerreiros e poetas pudessem ficar para sempre com suas deusas e musas.

Pensou que no céu dos passarinhos precisaria haver sempre um simulacro de janela, aberta para um céu azul, com vasos de hortênsias artificiais no parapeito, a fim de que suas almas pudessem se debruçar no sonho e, de lá, observar a vida, como quem lê uma ficção escrita por um autor niilista.
Os ruídos do mundo a trouxeram de volta. A saudade continuou sem endereço. 


Shirley Carreira ©

domingo, 14 de julho de 2013

O poema que me fala à alma


O poema que me fala à alma
Não é um exercício de linguagem,
Mas sobrevive à voragem
Da mera experimentação.

O poema que me fala à alma
Não é um mosaico de ideias,
Que se sobrepõem desconexas,
Mas um fluxo de emoção

O poema que me fala à alma,
Do signo, ultrapassa a fronteira;
Na vida, profundo, se inscreve,
Rítmico, melodioso, leve.

O poema que me fala à alma
É o que me traz infinito prazer,
É o aquele que, sutil, me narra,
Sem que eu venha a perceber.


Shirley Carreira



sábado, 13 de julho de 2013

Nos teus olhos

Vi-me nos teus olhos
Enquanto me olhavas quieto
Como um fio d’ água a correr
Manso e discreto.

Vi-me nos teus olhos
E a mulher que ali estava
Em teu olhar debruçada
Era feliz, brilhava.

Vi-me nos teus olhos
E tive uma imagem de mim
Nunca antes sonhada;
Só porque ali me encontrava.

E queimava-me o corpo
Ante a tua mirada
E era um outro eu
Que os teus olhos habitava.

Vi-me nos teus olhos
E nunca mais pude ser
A outra que um dia fui
Antes de, em ti, eu me ver.


Shirley Carreira

quinta-feira, 11 de julho de 2013

A palavra

A palavra se oculta no verso
Do pensamento que a tece
A palavra se inscreve no tempo
Se há perícia em quem a escreve.
A palavra seduz e violenta,
Constrói, destrói, enleva.
Se fica, é registro eterno
Se não, o vento a leva.

A palavra é a arma sutil
Que apazigua o corpo febril.
A palavra é ácido que corrói
Aquele que não a domina.
A palavra brinca e saltita
Na minha alma pequenina
Penetrando bem fundo,
Pois é vasta como o mundo.


Shirley Carreira

Espera


Trago nos olhos a sede infinita
De ver-te e, vendo-te, amar-te.
Trago nos lábios o beijo guardado,
Aqui, ardente, a esperar-te.
E quando vieres, não importa a hora,
Se cedo ou tarde, destarte
Encontrarás no meu corpo abrigo,
Ainda que chegues como quem parte.
Guarda meu olhar a lembrança
Dos teus contornos, nítida, rica.
Se partes de novo, deixas a imagem.
Imensa, a saudade fica.


Shirley Carreira

domingo, 30 de junho de 2013

Simbiose

Em teu corpo eu me tranço e os teus desejos amanso.
Direito e avesso, por inteiro te conheço, 
e se, de tão próxima, contigo me pareço,
 te traduzo em gestos e em versos
tanto mais densos quanto dispersos.
Se te percorro em agonia,
tu me desvelas com ousadia,
e nem sei mais onde terminas
e onde começo.


Shirley Carreira


domingo, 16 de junho de 2013

Bailado

Permita-me bailar em tuas fantasias
Com a suavidade e o encanto
De uma folha ao vento
Permita-me tocar o teu eu oculto
Que no teu silêncio
Percebo e ausculto.
Permita-me porque em traços
Teço aquarelas
Enquanto me enrosco
Em teu flanco,
E tranço luz e poesia
Em um mundo em preto e branco.
Permita-me porque danço
Em espiral, com ousadia,
Bailo no compasso
De estranhas melodias;
E se a dança por si só
Eterna não for
Há de ser o desvario
De um exercício de amor.


Shirley Carreira


domingo, 9 de junho de 2013

Da ausência

De tudo o que aprendi na vida
O mister de fato entendi,
Exceto esse meu desviar
Da falta que sinto de ti;
Esse constante apagar
Labaredas insistentes,
Que acendem ao teu olhar
Escondidas de toda gente;
Esse gritar inquieto
Dentro do peito que ouço
Quando me vem à mente
Do teu rosto o esboço.
Daquilo que não entendo
Quase sempre me desvio,
Como a água corrente
Das pedras dentro de um rio.
Por vezes, eu me ressinto
Da falta de algo e, assim,
Tu te tornas presente,
Lacuna cá dentro de mim.

Shirley Carreira


segunda-feira, 3 de junho de 2013

Olhares

Quando me olhas assim
Ao largo,
Como quem nada
Sabe e quer
Meu corpo responde
Sedento
Pois ainda trago
Cá dentro
A chama que arde
Em segredo
Que teus olhos
Ladinos disfarçam
E os meus, em êxtase,
Abraçam,
Sem pejo, sem rumo,
Sem medo.


Shirley Carreira

domingo, 26 de maio de 2013

Imperativos

Não me faças querer-te
Mais do que te quero
Ou desejar-te além
Do que desejo e espero,
Porque nos olhos trago
Promessas infinitas
Que só promessas são
E o que neles fitas
Só devaneio e ilusão.

Não me faças falar-te
Do que a mente transpassa
Como flecha certeira,
Que a invade e devassa,
Pois seu trajeto é incerto,
Sinuosa corredeira
Que arrasta violenta
O teu corpo desperto
E o meu desejo inquieto.

Não me faças assim lutar
Com palavras, pensamentos,
Vasto é o léxico, vão o momento.

©Shirley Carreira



quarta-feira, 15 de maio de 2013

Da permanência das palavras

Quando dos gestos
Já não houver traço
E os sonhos forem
Lançados ao infinito;
Quando do olhar
Já não houver rastro,
Ficarão as palavras
Sussurradas ao ouvido,
E sua lavra no corpo
Há de fazer mais sentido
Que a lembrança do toque
Há muito perdido.

Shirley Carreira


sábado, 11 de maio de 2013

Menestrel


Canta para mim
Uma canção bela
Que fale de horizontes
Muito além dos sonhos;
que fale de estradas
muito além do alcance
do olhar, e nelas
derrama, feito aquarela,
cada desejo, meu e teu.

Canta para mim,
Murmura ao meu ouvido
Sons, palavras,
qualquer verbo proibido ,
que na tua voz
será apenas o gemido
insidioso dos sentidos
que na pele aflora,
lavra e nos devora.

Canta e risca
Com brilho de estrelas
O breu completo e intenso
Deste nosso sentir
Em silêncio.


Shirley Carreira


domingo, 5 de maio de 2013

Alguns dias

Dias há
Em que amanheço brisa
Suave, leve, viração.
Outros há
Em que surjo intensa
Tornado, vento, furacão.
E quando me derramo inteira
E verto lavas como vulcão
Sou sempre a mulher primeira:
Insídia, encanto, sedução.
Em gestos e sons
Teço a teia
Irrecusável prisão.

Shirley Carreira




sexta-feira, 3 de maio de 2013

Transição


Passam os dias,
Mudam as criaturas,
Ficam os versos,
Os laços de ternura.
Vai-se a magia—
Sei que não perdura—
Fica a saudade
Permanente, pura.

©Shirley Carreira


sábado, 27 de abril de 2013

Diálogo


Nossos olhares
Dialogam esquecidos
De um mundo tecido
Com palavras.
O que meus olhos te pedem
Os teus adivinham.

Não te falo de amor
Porque teu corpo
Tateia, nos meandros
Do silêncio,
Cada toque
Mudamente ensaiado.

E antes que te revele
Meu mais recôndito desejo
Olha-me uma vez mais
E cala-me com um beijo.

Shirley Carreira




domingo, 14 de abril de 2013

Interpretação



A palavra é minha matéria,
Nela me inscrevo (e te escrevo),
Nela me oculto e desvendo
Porções do meu eu e do teu.
Traduzo em vão teus gestos:
Por desconhecer teus pensamentos,
Mergulho nas lacunas, no não dito.
Interpreto o que quero,
Admito.
Escrevo e, no íntimo, desejo
Que as palavras vão ao vento;
Que fique um gesto eloquente
Que as suplante em sentido
E te explique, simplesmente.

Shirley Carreira

sexta-feira, 29 de março de 2013

Se...



Se não te puder dar
o firmamento
dar-te-ei a lua;
forjada a sonho e fogo
mas tua.
Se não puder te dar o ouro
que ilumina o dia,
dar-te-ei o brilho
de estrelas fugidias
e meus braços,
que em um abraço
denso, acalentam
toda a tua fantasia.

Shirley Carreira


Noitedia



A noite gesta meu sonho
em ninho enluarado,
alimenta desejos,
nutre vontades
que esperam o dia
em pura ansiedade.
Que o sol traga
o fruto ensandecido
do ousado sonho
em penumbra
tecido.

Shirley Carreira


terça-feira, 12 de março de 2013

Ousadia


Não queira me amar
Com o amor morno
De manhãs que nascem
Escondidas;
Ame-me com a ousadia
Das madrugadas
Que se querem longas
E recusam o amanhecer.
Não ouse querer-me
Com gestos comedidos
De quem pede licença;
Quero os arroubos
E a vontade imperiosa
De quem não tem limites.
Não ouse me amar
Com olhos tristes e sofridos
Como quem parte e se perde.
Quero a alegria de quem fica
E, sabendo por que fica,
Permanece.

Shirley Carreira©


domingo, 10 de março de 2013

Do amor e seus mistérios



Que tolo aquele que pensa
Do amor conhecer as estradas
Os becos de surpresa tecidos
As confusas encruzilhadas.
                                       
Nada se sabe daquilo
Que de corpo e alma se apossa
Senão o tanto que tê-lo
A vida suaviza e adoça.

E muitos no afã de buscá-lo
Não lhe sentem a tênue presença
Dele se esquivam, quando perto,
E se lamentam em sua ausência.

Vestido de ardor e desejo
Ora se consome e se apaga;
Terno, suave e cauteloso
Ora cresce e se propaga.
Se nada dele sabemos,
Origem, razão ou estada,
A ele nos entregamos
Em busca desvairada.

E quando acontece de tê-lo
Ouve-se murmúrio de estrelas,
Ainda  que, de olhos fechados,
Não se possa sequer vê-las.

Shirley Carreira©










sábado, 9 de março de 2013

Aquarela



Não me posso conceder asas,
mas na pena risco e arrisco o voo,
e ajusto nas transparências
do cotidiano as cores
com que, na imaginação,
pinto o mundo.
Em cada traço
um passo se firma:
vista aérea da vida
em aquarela.

Shirley Carreira