segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Sorriso


Meu sorriso
Enfeita a lembrança (pensamento)
Do teu corpo
Que em mim trança (tenso)
Desejos e memória,
Deixando, em seu traço,
O rastro
Da nossa história.
Shirley Carreira

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O deserto da espera




Diante de mim

O deserto da espera

O calor cáustico

De todas as ansiedades

A subir pela espádua

A ressecar a boca

A esperar pela gota

De refrigério.


As vastas areias

Consomem meus olhos

As tempestades

Fustigam meu rosto

As imagens ao longe

Enevoadas sugerem

Algum oásis desconhecido

Que surge e some.


E o deserto imenso

E a espera sem fim

E eu aqui

A repetir teu nome.

Shirley Carreira


terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Este mar


Este mar que trago alma adentro,
Estas marés sempre incontidas,
Estas vagas que arrebentam nas pedras
E se estilhaçam nos rumos da vida,
Estas múltiplas faces de mim
Que se espraiam onde o horizonte
Junta as madeixas do céu,
Atando-as, suaves, à fronte
Deste mar encapelado, sem fim.
Ah, este mar de desejos que explode
Nas rochas da razão
Dentro em mim.
Shirley Carreira

domingo, 19 de dezembro de 2010



A todos os que visitam este blog, desejo um Feliz Natal.
Que esta data nos faça sempre recordar da presença de
Deus em nossas vidas!


terça-feira, 23 de novembro de 2010

O desejo

Mistérios profundos envolvem
O desejo, e neles se movem
De modo mais que absoluto,
Sediciosos, sutis e astutos:
Essa vontade de não ter, tendo,
O ímpeto de partir, ficando,
O dilema de esquecer, lembrando,
E a luta de negar, querendo.

Shirley Carreira

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Silêncio

Para Nonato Gurgel

Inventei exílios

Repletos de silêncio.

Em diálogo mudo

Com a alma das coisas,

Ouço, quieto,

O que as palavras

não dizem;

as muitas histórias

que não se contam;

as dores que calam;

a saudade que silenciam.

Só não entendo

O que a alma não inventa:

Por que será a alegria

Assim tão barulhenta?

Shirley Carreira

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Das escolhas...

Feita a vida de curvas e escolhas,
de estradas amplas e meandros sem fim,
de dúvidas, de amplas incertezas,
de negras noites, de céus carmesim,
nela persiste a hipnótica magia
que reveste o sonho e a vista turva:
o seguir sem saber o que há de vir,
depois da esquina, da próxima curva...

Shirley Carreira

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Ao amigo que parte

Talvez não possam alcançar-te

Os versos, lá onde estás;

Nenhum som, nenhuma arte,

Nenhuma música ou poesia.

Talvez nesse leito de paz

Não te alcance o meu pranto;

Da saudade o quebranto

Talvez não sintas mais.

Mas se te couber um olhar,

Um vislumbre fugidio

Deste mundo de vazios,

Saiba que, na partida, levaste

A parte de mim que te cabia.

E o que de teu aqui deixaste,

A amizade verdadeira,

Hei de guardar, destarte,

Pela minha vida inteira.

Shirley Carreira

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Claridade

Luzes já não luzem lá fora.
Fora luziam as luzes outrora.
Hoje, elas luzem cá dentro.
As luzes são lágrimas agora.


Hão de luzir as luzes
No lugar das lágrimas luzidias
Quando ficarem lá fora
As foragidas fantasias?

© Shirley Carreira
* Menção honrosa no concurso literário da revista Brasília, 1985.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O tempo

O tempo me fez mais sábia,

mais triste, menos crédula.

Fez-me sonhar menos

e lutar mais.

O tempo me fez mais forte,

mais decidida, menos impetuosa.

Ensinou-me

a orquestrar gestos.

O tempo só não me ensinou

o caminho árduo, pedregoso,

que leva ao total

esquecimento.

Eis porque canto e escrevo

continuamente,

celebrando o silêncio

de tantas ausências.

Shirley Carreira

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Soliloquy



I have endured life as a dreamer
Everlastingly sure of awakening
Some day to a hotter summer
Or even to a brighter spring.

I’ve faced days with pain and joy
I’ve been a divine being’s toy,
dove deep into frozen water
and burned to ashes, freaked and sober.

Up-down tossed by the waves to a fen,
By implacable billows of an eternal sea.
For a friend, only paper and pen,
And these pale words which speak for me.

Shirley Carreira

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Aprendizado

Antes não sabia
Dizer senão sim
À tua boca,
Que cabia inteira
Nos meus espaços,
Acomodando-se
Às minhas lacunas.

Hoje sei dizer mais que não
Ao assalto poderoso
Dessa tua mão,
À voracidade do teu beijo.
Não mais te sigo
Com a fome pendurada
Nos olhos.
Faço-te escravo
Dos meus desejos.

Shirley Carreira

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Estranhamento

Onde se esconde
Esta minha palavra
Oculta nas sombras,
Fechada para o mundo?

Onde se oculta
Este meu pensamento
Guardado nas teias
De um tempo impreciso?

Onde guardei
Aqueles amores profundos
Tecidos em sonhos,
Em ouro bordados?

Onde teci e criei
Este ser que ora sou
Quieto, quase mudo,
Em penumbra traçado?

Onde palavra, pensamento,
Amores e eu,
Se o mundo em volta
É só estranhamento?

Shirley Carreira

domingo, 26 de setembro de 2010

Ao amor que permanece




Sejam minhas as mãos
Que percorrem caminhos
Que só a elas pertencem.
Sejam minhas as mãos
Que o façam por desejar
As trilhas conhecidas
E por nelas ver
Atalhos sempre novos
A desbravar.

Sejam meus, e para sempre,
Aqueles pensamentos
Que vão e vêm e da imagem,
Que é minha, fazem alento;
Que do meu rosto tecem
Mil encantos não fugidios
E paixões intensas
Que se sempre se recriam
E permanecem.

Que seja meu esse amor
Não volátil, não suspenso
Pelas tramas da incerteza;
Revestido pela doce
E infinita calmaria
De reconhecer-se inteiro
Naquele que se amou um dia,
E amá-lo ainda no presente
Fazendo do hoje, sempre.


Shirley Carreira

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Escrita


Para calar os gritos
Desta noite infinita,
Escrevo.

Passo a limpo a fita,
Carcomida e fria,
Dos meus medos.

Em cada imagem
Mergulho, absorta,
Em degredo,

E rasgo no papel
O sangue fumegante
Dos segredos.
Shirley Carreira

Poema para uma saudade

Para A.
Saudade surge súbita,
como réstia de sol na manhã,
como sal que arde na carne,
como lembrança que teima em voltar.

Saudade sempre se instala
quando o tempo perde o poder,
quando a imagem invade os olhos
e não permite esquecer.

Saudade sopra como vento
nas finas paredes do tempo
e planta em cada fresta
parte da história, a memória.

Shirley Carreira

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Dia nascente



O dia fez nascer
Um poema quieto
Tecido em observação e silêncio.
Fez brotar palavras
Das rochas intransponíveis
Que se apossaram
Do coração dos homens.
O dia ensolarado
é forasteiro intrépido
Na escuridão
Da descrença humana,
E acena, lá fora,
Com a esperança,
E inquieta, cá dentro,
Qualquer fé dispersa.
O dia que nasce
Em seus raios espraia
A presença silenciosa
Porém constante
De Deus.

@Shirley Carreira

sábado, 28 de agosto de 2010

O fio da poesia



Brada a voz do poeta;
Fio de silêncio
Costurando o tempo,
Bordando o ouro
Do sonho
Nas tramas rústicas
Da vida.

Sonha o poeta
Um sonho híbrido,
Em ânsia tecido.
Pontilha de estrelas
O céu negro
De todos
Os dias.

Entretece, entontece,
Fia e refina,
Entre pontos e vazio,
O fio da poesia.
Shirley Carreira

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Sobre o homem e suas faces





Faz parte da natureza humana a capacidade de idealizar. Claro está que essa não é uma característica de todos os seres humanos. Há sempre aqueles indivíduos para quem a vida é um eterno jogo, em que as emoções alheias são apenas detalhes pequenos ante a sua vontade de vencer sempre.

No entanto, falo das pessoas normais, para quem os sentimentos ainda têm importância, para quem ter uma “alma” não é algo tão piegas, para quem o Outro ainda vale alguma coisa. Há nelas, com certeza, uma tendência a ver o mundo e as pessoas por um prisma que as torna melhor do que são. Ingênuas? Talvez, mas com uma qualidade ímpar: a de crer na integridade do homem.

Estamos vivendo uma época em que muito se discute sobre a alteridade, a significância de reconhecer e respeitar a diferença do Outro, de compreendê-la em sua conjuntura, mas pouco se faz além de um discurso. Basta um olhar em torno, para a condição miserável (e não me refiro aqui aos bens materiais) da espécie humana na sociedade contemporânea.

É neste contexto que encontramos alguns seres humanos ávidos do sentir, do fluir de emoções, do vivenciar algo que, às vezes, parece tão perdido quanto o elo que nos permite desvendar a nossa origem. Sua singularidade faz deles loucos, poetas, românticos, para quem este mundo há de parecer sempre território estrangeiro.

Aqueles para quem o sentimento de vitória, de superioridade e de controle orienta a vida hão de achá-los tolos, ridículos, risíveis.

Mas a vida é este emaranhado de encontros e desencontros, em que nem sempre se vence, nem sempre se conquista, nem sempre se ganha alguma coisa. Ainda que pareça ser o contrário, na visão daqueles que exercem sua ação manipuladora no meio em que vivem.

Talvez a diferença básica entre estes dois grupos de indivíduos é que quem já se convenceu de quem nem sempre se ganha, ergue-se, inteiro, sem perder seus valores, suas crenças, arriscando-se de novo a uma outra queda. Os que sempre ganham, se um dia caírem, não hão de levantar-se do chão, e se o fizerem serão motivados pelo mais torpe dos sentimentos: a vingança.
Essas duas faces do ser humano não são as únicas, pois ele é versátil o suficiente para transmutar-se em muitas outras; nem tampouco sua ação no mundo corresponde a uma visão maniqueísta do bem e do mal. São princípios de vida.

Creio no princípio do respeito ao Outro e se nem sempre ganho, se nem sempre consigo o que momentaneamente pode me trazer a alegria, eu trago em mim um outro bem, que é, talvez, o grande impulsionador da existência humana, a esperança.
Durmo um sono tranquilo, na certeza de que amanhã será outro dia e na esperança não de grandes vitórias, porque elas vêm em consequência de atos, condutas acertadas em momentos específicos, mas de que a experiência que virá, decerto, há de proporcionar-me uma melhoria como ser humano, que me permitirá ver nas pequenas alegrias de todos os dias o verdadeiro sentido da vida.

domingo, 22 de agosto de 2010

Permissão

Permito a invasão da tua imagem
Audaciosa, a adentrar a existência
De um mundo quieto de palavras;
A sua presença e transparência
Feitas revelação e segredo.
Emoção vagando em degredo;
Desejo construído em miragem.

Permito a insolência dos teus gestos
A roubar a paz do meu silêncio;
A soprar os ventos de voragem
Onde havia estática paisagem,
Prosaicos sentimentos manifestos;
A trazer tornados e viração
Onde havia plácida ordenação.

Permito-me mirar caudalosamente
Essa tua imagem fugaz, indiferente,
Sem rastros, descuidada, veloz;
Desastre e paraíso, se os dois
Pudessem ser só um, e depois
Findassem, à luz dos arrebóis.

Shirley Carreira

Passagem




Não te faço
Matéria única
De minha
Existência múltipla;
Nem eu mesma
Tenho posse
Da vastidão
De meus segredos.

Não te creio
Senhor absoluto
Da minha
Vontade saltitante;
Se hoje sou
O que ontem não fui
Se me transformo
A cada instante.

Não te imagino
Presença perpétua
No sonho
E no pensamento;
Vejo-te apenas
Como traço impreciso
Do lúdico Autor
Que te inscreveu
Neste momento.

Shirley Carreira

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Leitura final

Poema de Fernando Pinto Ribeiro

a Elsa Rodrigues dos Santos
e a Figueiredo Sobral


na bruma que me esfuma
rua em rua
fonema por fonema
– leio a lua
plena
do poema

nua flutua
suprema
verso após verso
– veio
que eu me entreteço
imerso
diadema

larva de palavras
falena
verbo de verbenas
– me enleio
hibernal
coral num colar
a aureolar avenas

... e ao espelho lunar
do sol seminal
espasmo de açucenas
– soltei-o
além mar
num ponto-final
a()penas


28Abr.07

sábado, 14 de agosto de 2010

Figueiredo Sobral- um adeus




Faleceu ontem, em Lisboa, o pintor, escultor e poeta Figueiredo Sobral. Deixa uma lacuna no panorama das artes portuguesas. Expresso aqui o meu pesar e a minha admiração profunda pelo grande artista que ele foi.

Lembranças


Lembranças
Pombas brancas em vôo constante
Vão e vêm sobre o presente
E por mais que se ande adiante
Estão sempre presas à mente.

Sua passagem diáfana
Quase sempre em saudade se faz
Vívidos momentos reacendem
Ora com dor, ora com paz,
E muitas vezes surpreendem.

Que venham as lembranças
E que tragam a memória
Do que de belo foi um dia vivido
A doce parte de uma história
O que não deve ser esquecido.

E se ficar, ao final, nostalgia
Do que não mais há de se ter,
Há de acompanhá-la a magia
Do caminho à frente
Do que ainda há por viver.

Shirley Carreira

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Voo

Vago, taciturna,
Entre o “talvez” e o “se”.
Vago, ave noturna,
Que voa para não sei onde,
Sem saber o porquê.

Na máquina, emperrada,
Deste mundo fechado,
Sou mais uma ave
A fazer revoada
Em trajeto ignorado.

Em um breve, inesperado,
Momento de revelação,
Vislumbro um mundo
Que nunca chegou a sê-lo,
Silenciosa, voo,
E desisto de entendê-lo.

sábado, 7 de agosto de 2010

Uma espera em movimento

Poema dedicado a um grande amigo, após uma longa conversa sobre suas esperas na vida.

O tempo em que vivo,
inscrito na história,
pautado em lembranças
e no momento presente;
é o que aprisiona,
que traz na memória
sentimento profundo
que não mais se sente.

Do passado, rastros e traços
a ferro marcados no pensamento.
No presente, a esperada surpresa,
a doação e a leveza,
a doçura e a loucura
de umanova paixão,
que me mova e entonteça,
que me arrebate e enlouqueça
e faça disparar o coração.

O tempo em que vivo
é tempo de espera,
mas não de imobilidade
ou completa inação.
É o tempo da vida, de fluxo e refluxo;
é o tempo do encanto,
de busca e sedução.

O tempo em que vivo
é aquele que invento:
tempo de espera
em movimento.

Shirley Carreira
13.12.2005

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Tecendo palavras

Posso dizer que te amo
Indefinidamente
Como um canto
De pássaro incandescente
Que invade
O silêncio das manhãs
Ainda nascentes.


Posso falar de amor
Ensandecidamente
Como cativa
Do teu olhar e sedução
Escrava assumida
Do desejo incontido
E da paixão.

Posso perder-me
Eternamente
Nos traços definidos
Desse teu corpo ardente
Que me prende
Com invisíveis correntes
Em turbilhão.

Só não posso
Fugir desse teu ardor vadio
Que me mantém presa,
Vício, sabor e cio,
E me invade
Fazendo de cada instante
Eternidade.

domingo, 18 de julho de 2010

Los ojos


segunda-feira, 21 de junho de 2010

Jornada


Move-se a mulher que sou
Pelas brumas
De seus próprios medos;
Segue inebriada
Pelos atalhos
Dos seus segredos.

Move-se sinuosa e canta
A melodia
De ânsias incontidas;
Segue esperançosa e só
Pelos meandros
Insuspeitos da vida.

Move-se na cadência
De passos
Certeiros, milimetrados;
Segue como se jamais
Os tivesse
Tantas vezes trilhado.

Shirley Carreira

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A voz de Saramago se calou para sempre. Fica a lembrança.


Eu, ao lado do escritor, no congresso da AIL, em 1999.
Não mais o traço da tua pena,
Não mais a voz dissonante,
Não mais o desafio da escrita,
Mas para sempre a ousadia
Da arte que transgride a norma;
Para sempre os olhos que vêem
Além da mera imagem;
Para sempre a lucidez
Ante a cegueira do mundo.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Este corpo




Este corpo em que silencio
Ardores, temores e cio
É chama que arde constante
E se eleva a cada instante;
E transbordam, em abismo
De infinito mutismo,
Os desejos em turbilhão,
Sede, fome, paixão.

Este corpo, que transcrevo
Em versos, tem o relevo
De terra por desbravar,
Em rimas faz-se revelar
E o ícone do seu segredo,
Do pensamento em degredo,
Em meu olhar jaz inscrito:
É este arder infinito.

Shirley Carreira

sábado, 8 de maio de 2010

Para minha mãe

Já não ouço o consolo da tua voz
Quando nem tudo vai bem comigo,
Já não posso ter naquele tom firme
Apoio, segurança e constante abrigo.

Já não vejo dos teus olhos o azul,
A gargalhada alegre, que, de norte a sul,
Anunciava a tua presença amiga
E confortava os meus dias como um sol.

Já não tenho o calor de teu abraço,
Já não ouço o acorde do teu sorriso,
Mas tenho ainda tudo o que preciso
Que é a tua eterna presença em mim.


Shirley Carreira

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Descoberta

Já não tenho aqueles olhos jovens
Aquelas retinas permeadas de poesia;
Já não tenho aqueles sonhos intrépidos.
A vida passou por mim e eu não sabia.


Já não sou o que a imagem acolhe;
O que expõe a fisionomia.
Há outra face sob o sorriso;
Há lembranças muitas, velhas fantasias.


Já não tenho a firmeza de gesto,
O ímpeto, a coragem, a ousadia,
O ardor intenso que imponho aos versos.
A vida passou por mim e eu não sabia.


E, na passagem, deixou-me tantas dores,
Tantos segredos, tanta nostalgia,
Que, hoje, mistérios descobertos,
Sou sombra e saudade do que fui um dia.

Shirley Carreira

terça-feira, 27 de abril de 2010

Sobre a escrita da poesia

Nunca revisito um poema.
Ele lá fica, em estado puro,
Qual bebê nascituro.
Jamais, ainda que o possa,
O releio como um poeta.
Se bom, aplaudo com ardor,
Se mau, lamento-o, como leitor,

Mas jamais coloco um ponto
Que antes não existisse.
E este meu jeito, ou teimosia,
Meu modo de fazer poesia,
Ainda que insistente,
Desvia-se, inconsequente,
Daquilo que se crê ideal.

E minha inspiração, néscia,
Dá de ombros e ignora
Opinião alheia. Vai-se embora,
Deixando o poema que fiz
Inerte em sua matriz:
Sem revisão; à vontade;
Intacto, para a posteridade.

Shirley Carreira

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Para sempre


Teu nome calo no fundo da alma,
No silêncio da noite calma,
No cálice das paixões intensas,
Nas brumas das madrugadas densas,
Nas horas em que, às expensas
Do amor, tornas-te infinito.

Anônimo, vives no meu pensamento;
Sem nome, preenches cada momento,
E se eu te escondo da luz do dia,
Perpétuo te torno em poesia.

Shirley Carreira

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Da alegria e seus rastros

Já não sei falar de ausências,
De faltas falar já não me apraz,
Nem tampouco de aparências,
Nem das dores que a vida traz.

Destarte os sonhos hei de cantar,
Brotando d’ alma como luz ardente,
A graça do amor a transbordar
De um singelo poema nascente.

Hei de cantar o belo e a alegria,
Seu doce acorde transformar
Em verso, em fluida poesia,
Enquanto puder versejar.

E quando, por fim, se calar
A voz do poeta, e eu me for;
No céu de ébano há de brilhar
Um rastro de luz e amor.

Shirley Carreira

segunda-feira, 5 de abril de 2010

A ordem das coisas




Que importa ao mundo
Se teu simples olhar
Acende em mim
Mil arrebóis;
Se teus sorrisos
Tem o alcance
De mil faróis.

Que importa ao mundo
Se por ti incandesço,
Ardo, queimo,
Enlouqueço;
Se a tua imagem
É para mim
Como voragem.

Que importa aos demais
Se, para mim,
És pura paisagem,
Sem que possa jamais,
De ti, o olhar desviar
Sem querer-te
‘inda muito mais.

Shirley Carreira

quinta-feira, 25 de março de 2010

Como escrever poesia


Urge escrever poesia
Como quem colhe
A flor dos males alheios,
Os gestos, os entremeios
Da performance contida
Dos atores da vida.

Urge escrever poesia
Como quem sangra
Na pele o corte profundo
Dos dramas, das dores
Dos inimagináveis horrores
Que assolam o mundo.

Urge escrever poesia
Como um rio perene
Que deságua sempre voraz
Nas correntezas implacáveis
Redemoinhos instáveis
De um destino mordaz.

Urge escrever poesia
Como quem tece redes
De tramas largas, capaz
De trançar versos e esperança
Como um anjo criança
Que sonha e dorme em paz.

Shirley Carreira

quarta-feira, 24 de março de 2010

Um momento

Um momento, não mais que um momento
É preciso para que do teu verso
Se faça um arco-íris de signos
Se crie uma multiplicidade de sons
Se pinte uma infinidade de imagens
Se transforme a vida em prazer.
Um momento, um único momento
Que desabrocha como flor
Que transcende o espaço e o tempo
Mostrando que o que há de mais belo,
De mais intenso, de mais constante
Reside em tudo o que se vive,
No que se apreende,
Em um único instante.

Shirley Carreira

Sobre as palavras

Não te abales com o ruir
Das minhas palavras,
Que ora voam como pombas singelas,
Ora desabam como chuva torrencial.
E não respondas, nem te importes,
Se te soam gritos, sussurros ou silêncios.
Cabe ao poeta gritar, murmurar e calar-se;
E fazer tudo isso na ordem contrária.
Sem amores desconexos e irrealizados
O que seria da poesia?
Não te impressiones com a aparente loucura
De quem explode e se recolhe
Como vulcão ou seca intermitente.
Quem sabe o que há na mente
De quem luta com palavras?
Não te importes, apenas leia.
Palavras são como folhas de outono
Que o vento leva; em abandono,
Se vão e não mais retornam.

Shirley Carreira

Poema do adeus


Teço a saudade
Que no peito não cabe
Como lágrima que deságua
Em temporal.
Guardo a imagem
Que da mente não parte
Como brisa que vira
Um vendaval.
Renuncio ao sonho
Que é apenas miragem
Como barco que afunda
Em região abissal.
Percorro os caminhos
De dor, estilhaçada,
Como imagem composta
Em fractal.
Digo um adeus mudo,
Absorta, contida,
Como espectro que paira
Sob a luz boreal;
Como sombra perene,
Como frágil alternativa
No brilho híbrido
do teu mundo ideal.

Shirley Carreira

Conversa de poetas em céu estrelado

Para Gustavo Schram


Falo-te em sonhos, murmuro versos
E me faço lembrança ao amanhecer.
Em pleno dia, sou sonho disperso
A desfazer-me em nada, a emudecer.

Minha voz se cala, perco a magia,
No decorrer do dia a agir
Mas volto a ser brisa e fantasia
Assim que a noite começa a cair.

Por isso, se vires no céu a brilhar
Uma estrela um tanto conhecida,
Com um brilho intenso a espraiar,
Derramando sonhos, dores incontidas

Segue-lhe o rastro, seu lamento escuta
Quando, em prata, segue para a luta
Devolvendo em lágrimas de chuva vertidas
Todos os rastros das batalhas perdidas.

E contar-te-ei em sonhos a sua saga
De lutas e derrotas, as poucas vitórias,
O contar será manso, como voz que afaga
Teu sono quieto com as muitas histórias.

E se teus versos os meus encontrarem
No firmamento, onde nunca irão fenecer,
Os belos diálogos que assim travarem
Serão os poemas que havemos de escrever.

Shirley Carreira

Partida




Partes, e na alma fica aberto
O espaço que te pertence;
E no rosto lágrimas que verto,
E no corpo o vazio de ti.
Partes, e na boca o gosto amargo
De perda infinita me arde,
E na noite um mundo sem sonhos,
Na vida um caminhar tristonho
Sem rumo, sem história,
Porque partes e de ti
Fica só a memória.

Shirley Carreira

terça-feira, 23 de março de 2010

Abismo


Entre nós
Abismos
De corpos e palavras.

Na boca
O amargo
Da sede do teu sexo.

Na mente
O verso
Contorcido do desejo.


Shirley Carreira

quinta-feira, 18 de março de 2010

Perdas e danos



Metade da minha vida
Gastei pensando
Na metade que queria
Ter gasto amando
E em cada pensamento
Proibido, profano,
Despendi um tempo insano.

Metade da minha vida
Gastei buscando
Uma porção de irrealidade,
Tolamente desprezando
A porção de verdade,
Perdendo, desta maneira,
Metade de uma vida inteira.

Nesta altura da vida,
Metade gasta, mal vivida
‘inda paira o medo atroz
Do desperdício contumaz ;
E, em cada minuto vivido,
Guardo a necessidade
De não perder nada mais.

Shirley Carreira

sexta-feira, 12 de março de 2010

Para que saibas que te amo



Para que saibas que te amo,
Não moverei montanhas,
Nem rasgarei as vestes,
Nem chorarei mil rios.
Para que saibas que te amo,
Guardarei apenas a saudade
Que só os grandes amores
Suportam e superam.

Para que saibas que te amo,
Deixarei que meu olhar te siga,
Que meu corpo te busque,
Que meus sonhos te tragam,
Nos tons, texturas e aromas
Que esse teu corpo encerra,
Para o meu mundo de densa
Quietude e espera.

Para que saibas que te amo,
Deixarei transparecer no olhar
Todas as paixões que me movem ,
Os desejos que nunca escondi.
Para que saibas que te amo,
Não hei de fazer promessas;
Dar-te-ei apenas a certeza
De estar sempre aqui.

Shirley Carreira

sábado, 6 de março de 2010

A mulher ideal





Tenho saudade
Da mulher que eu queria ser
Mulher de curvas perfeitas,
De mente desafiadora
E saberes aprofundados,
Com o mundo conhecido à frente
E um semideus ao lado.

Essa mulher ideal
Ficou lá no meu passado
Quando a estrada ‘inda era longa
E os dias infinitos,
A sua perfeição a gritar
Sempre nos meus ouvidos
O que eu deveria ter sido.

A mulher que vejo no espelho
Luta contra seus medos
E, bravamente, sobrevive
Às lutas do dia-a-dia,
Aos bloqueios na estrada
Da vida, que de glamour, de poesia
Tem muito pouco ou nada.

Gosto da imagem que vejo
Admito sem receio ou pejo.
Com sobras e faltas, eu lido,
A cada dia vivido,
Mas fica, no fundo, a saudade,
Que o tempo aplaca e diminui,
Da mulher que eu nunca fui.

Shirley Carreira

quinta-feira, 4 de março de 2010

Construções




Constrói-se, na ausência,
Eterna presença;
Em memória envolta,
Movida a saudade.

Constroem-se, no silêncio,
Diálogos mudos,
No espaço da lembrança,
No rastro da falta.

Constroem-se, à distância,
Desejos intensos,
Que pairam fortes, imensos,
Sobre o domínio da razão.

Shirley Carreira

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Exortação




Guarda o sorriso
Que teu rosto enfeita,
Guarda as sutis formas
Das brancas geleiras
Por entre os lábios
De primavera.

Guarda a promessa
Que teu olhar sustenta;
O prosear mudo
Que reinventa
Nos olhos alheios
A saudade.

Guarda a alegria
Que em ti abrigas,
Voa lépido,
Além do tempo,
Renascendo igual
Todos os dias.

Shirley Carreira

sábado, 20 de fevereiro de 2010

O segredo




Se eu não puder
Retirar da carne
O véu que me guarda,
Calarei para sempre
O teu nome.

Se eu não puder
Resgatar no peito
O amor que me invade,
Silenciarei para sempre
A minha voz.

Se eu não puder
Pousar em teu corpo
O olhar que guardo,
Fenecerei para sempre
E teu nome comigo.

Shirley Carreira

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A casa


Esta casa que nunca adentraste,
Cujas paredes nunca tocaste,
Guarda surpresas incontáveis
E prazeres inomináveis.

Em seus espaços contidos
Teus desejos encontrariam
Realizações e sorririam
Para sempre agradecidos.

Além da bela fachada,
Dela conheces nada.
Para além de sua entrada,
Quimeras, sim, ela guarda.

Ainda que revestida
Assim, de pura pedra polida,
Deve ser mais que contemplada.
Foi feita pra ser percorrida.

Shirley Carreira

Distância



Sinto-te sombra
Sinto-te vento
Estrela longínqua
No firmamento

Sinto-te música
Tocada ao longe
Sinto-te sol
Que a noite esconde.

Sinto-te verso
Ainda incompleto
Sinto-te fluido
Tão longe, tão perto.


Shirley Carreira

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O eu e seu duplo



Este eu que, timidamente,
Obscureço,
Travestido de formas e forças,
Que não são minhas,
Em outro ser que crio
E desconheço,
É frágil, inseguro, carente
E ante o infortúnio premente
Encolhe-se, para que seu duplo
Ousado surja
E tome-lhe a frente.

Nas noites mínimas
Em que me pertenço,
Couraça inerte, sono adentro,
Meu eu escapa por um momento
E te sonha envolto
Em beijo e brumas.
Desejo satisfeito
Em meu pensamento,
Cedo lugar ao outro eu que me habita.
Enquanto no sono, ele se agita,
Tornas-te estrela no firmamento.

Shirley Carreira

sábado, 30 de janeiro de 2010

Plainando



O eu que me habita
Já não derrama lágrimas
Por coisas pequenas:
Não verte rios
Caudalosos de emoção
Nem eclode
em maremotos de dor.
Ele plaina suave,
Falcão do tempo,
Sobre as nuvens obscuras
Dos acontecimentos.
E ante a luz da bonança,
E o fervilhar da alegria
Trina o canto melódico
De uma cotovia.


Shirley Carreira

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010



Pintura de Maria João Franco
http://mariajoaofranco.blogspot.com/2010/01/figura-para-o-altar-dos-espantos.html


Figura para o altar dos espantos


Que a minha voz ecoe
Quando todas as outras
Caladas estiverem.
Que ela grite versos
De rebeldia e liberdade
Quando as almas prisioneiras
De tantas vaidades
Emudecerem.
E quando eu já não puder
Falar ou entoar
Versos à vida e aos sonhos
Que fique apenas
A minha imagem
Como tênue figura
Para o altar dos espantos.

Shirley Carreira

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Querer


Não te quero caminhando nas sombras
Nem calando os teus mistérios.
Quero-te cantando a melodia
De teus mais íntimos pensamentos.
Quero ouvir os teus silêncios
Narrando-me na calada da noite
As histórias que teces e guardas,
Como segredo, do mundo.
Quero-te ondulando o olhar
Nos meandros que tanto conheces
Nas estradas ocultas e sinuosas
Deste corpo que habito.
Quero-te como brisa suave
Penetrando-me nos poros
Transmigrando desejos
Do meu corpo no teu.
Quero-te, perto ou distante,
Naquele ousado instante
Em que, em um segundo apenas,
Puder sentir-te meu.
Shirley Carreira

sábado, 16 de janeiro de 2010

Chegada e partida


Quando vieste
Chuva imprevista
A cair sobre o agreste
Iluminou-se minha alma
Afogou-se o meu corpo
Na força de tuas correntezas.

Quando surgiste
Sol transbordante
Que em mim persiste
Douraste-me a pele
Queimaste-me o corpo
No crepitar dos sentidos.

Quando partiste
Sonho diáfano
Nuvem de algodão
Nas minhas fronteiras
Deixaste o rastro suave
De milhares de estrelas.

Shirley Carreira

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Amanhecendo


Que seja nossa, outra vez,
A manhã nascente
Que sejas em meu corpo
Cavaleiro errante
Em busca incessante
Do prazer oculto
Em cada curva do meu corpo
Exposto ao teu olhar.
Que seja nossa, outra vez,
Aquela poesia
Que ainda possamos ouvir
A mesma melodia
E em meio a acordes conhecidos
Fazer do amor
Uma nova sinfonia.
© Shirley Carreira